A manipulação do simbólico como forma de distinção social

Bruno Lima Rocha Beaklini (@estanalise) – agosto de 2022

O tema é sensível, mas não podemos nos furtar do debate político com medo de “sanções morais” ou absurdas “campanhas de cancelamento”. Entendo que o país vive um momento delicado, onde no seio da centro-esquerda mas também da esquerda mais à esquerda algumas posições mais radicalizadas também se confundem com importantes bandeiras de direitos civis e políticas de reconhecimento. Não por acaso, a mídia em escala industrial joga um papel importante tanto pelo lado “progressista” como pelas posições reacionárias e conservadoras.

Neste sentido, o conglomerado de comunicação da Família Marinho se afirma como liderança em nome da diversidade e da inclusão. Está correta a postura da antiga “nave mãe”, mas simultaneamente, nada falam em relação ao modelo de política econômica. Criticam Jair Bolsonaro mas pouco dizem sobre Paulo Guedes, o autêntico pinochetista deste governo.

Se vamos usar um exemplo de comparação, a TV brasileira (aberta ou por assinatura) está mais sadia do que a da Argentina e a do México. Em termos de estética, de publicidade e visibilidade em postos-chave, a imagem gerada é mais parecida com a população brasileira; radicalmente diferente ao das maiorias de origem indígena no México e nos cinturões periféricos argentinos, igualmente de extração originária. Logo, não há como não reconhecer esse mérito. Mas pára por aí.

O esvaziamento da luta coletiva organizada e a “politização da vida privada”

Quase tudo o que se vê é o oposto dessa propaganda da Globo e das grandes marcas. Na luta social brasileira, a meta do capitalismo multicolorido é mirar em quem se organiza, transformando em um nicho de consumo.

Ícones de mercado tomando conta do espaço simbólico, “lideranças” baseadas em Lattes (ou ORCID, ou Sucupira) e não em luta e um monte de arrivista desautorizando as formações sociais concretas, como as auto-organizadas em territórios urbanos. Mesmo em ambientes mais convidativos, há uma peleia constante para não deixar crescer a bicho grilagem em “pesquisa de campo”.

Realmente seria muito bom estar equivocado mas, hoje mesmo, nos EUA, o único setor negro de envergadura nacional é o Black Caucus do Partido Democrata. Não tem força NAACP, nem NOI, acabou o BPP em 1975 e por aí vai.

Tem vezes que a gente confunde. Afirmação de identidades é importante, muito. Afirmar que as identidades de por si bastam, é como afirmar que todo mundo que vem da classe trabalhadora tem comportamento classista. Sabemos que não é assim, mas a emancipação dos tralhadores segue sendo obra da própria classe, assim como todos os setores em luta de libertação. Mas daí a ficar divagando de “classe em si” em termos de etnia e gênero. É difícil.

É meio mecânico isso, ainda mais com a “representatividade”, onde a composição de gênero e de etnia pode ser feita sem levar em conta a formação específica na área de saber.

Vejamos o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, o estrago que fez porque era punitivista desde sempre e o Lula o indicou por ser um jurista negro. Não se informou de sua trajetória jurídica e deu na aplicação da suposição dentro de um conjunto probatório nulo. Abriu o caminho para a Lava-Jato.

Qual eurocentrismo estamos falando?

Um projeto viável de utopia realizável é ampliar a luta por auto-organização social em todos os níveis e um território socialista onde a gente se defenda das agressões externas. Uma Cuba com democracia de esquerda já estava ótimo, e obviamente, cargos eleitos e rotativos.

Começo assim por um referente latino-americano e mais à esquerda. Acho que defender essa posição não nos faz “eurocêntricos”.

Outra condição é mais na luta contemporânea e anti-imperialista.

Vamos aos fatos. Quem enfrenta o ocidente no pau há mais de 40 anos é o Irã, país que apoia a libertação dos países de origem de onde viemos, do Biald al-Sham (Palestina, Líbano e Síria). Logo, tampouco é Europa.

Mas com certeza o que se defende é muito diferente do sionista Jean Willys e não se enquadraria em uma publicidade de nenhum outro ícone midiático eleito por algum dirigente oportunista para representar as maiorias do país.

Sobre meritocracia e direito político, a inclusão de subcelebridades cibernéticas na vida partidária nunca dá certo. Ao menos em uma entidade as pessoas são eleitas certo? Tem mandato, rola sacanagem, porque pode gerar burocracia e se perpetuarem. Mas qualquer entidade é mais democrática do que qualquer universidade ou empresa. E aí se na luta política a gente aplica critérios do mercado ou das instituições, ferrou tudo.

As maiores e mais comprometidas referências conhecidas não eram acadêmicos (ou não são), mas tinham total domínio da teoria política que praticavam: Onir Araújo, Yedo Ferreira (movimento negro); Clementino Lopes (radcom), a velha guarda de origem operária do Uruguai (FAU), e mesmo dentro do MST, o Coletivo de Mulheres (aquele que se expulsou antes de ser expulso)…e por aí vai. Esqueci a turma antiga e atual da CPT, as referências quem nos ensinaram a fazer piquete sindical na segunda metade dos anos 80 (como a oposição rodoviária do Rio) e outras e outros que estamos cometendo injustiça ao não citar.

Outra comparação, é como o papel da categoria dos gráficos no auges do sindicalismo no Brasil. Acesso ao mundo da patronal, pertença e comprometimento com o mundo do trabalho. E deste universo saiu uma militância de maioria afro-brasileira e não imigrante, como quis nos fazer crer tanto a reação como a falsificação da historiografia marxista. Ufa.

Parece óbvio, mas intelectual orgânico serve e serve muito, ainda mais ao estilo de Camilo Berneri, professor de filosofia, jornalista de barricada e sempre subordinado às instâncias coletivas. É difícil mas, assim como derrotar o fascismo bolsonarista, a luta interna da esquerda é não permitir que a mescla da social-democracia com os agentes de mercado hipoteque tanto os projetos como as identidades políticas das maiorias.

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